O impacto da Ofensiva do Tet na opinião pública dos EUA minou a determinação americana de permanecer no conflito, tanto que Giap iniciou um novo e mais agressivo planejamento de suas operações de guerra.
A Ofensiva do Tet foi, em última análise, uma grande operação ofensiva, projetada (e executada) por parte do movimento guerrilheiro Vietcong, com apoio do Exército do Vietnã do Norte (EVN), planejada e realizada em três fases, objetivando impor um golpe decisivo contra as forças aliadas no território do Vietnã do Sul (Estados Unidos, com aproximadamente 500 mil efetivos; Vietnã do Sul com aproximadamente 700 mil efetivos; Coreia do Sul, com aproximadamente 50.000 efetivos; Filipinas e Tailândia, com aproximadamente 10.000 efetivos; Austrália, com aproximadamente 7.600 efetivos; e Nova Zelândia, com aproximadamente 550 efetivos), buscando criar um fato político (e militar) que obrigasse a imediata retirada das tropas estrangeiras do país, – notadamente os estadunidenses –, possibilitando a vitória final do EVN, ainda que às custas da destruição (ou desintegração) da guerrilha, face às constantes derrotas, em batalhas importantes, por parte das forças comunistas em combates com o exército norte-americano.
O pressuposto fundamental da campanha era a de que o povo sul-vietnamita se rebelaria contra os supostos “opressores” ianques e sul-vietnamitas, conduzindo ao colapso do governo de Saigon.
“A Ofensiva do TET (et Mau Than) foi uma campanha militar de três fases lançada pelas forças combinadas da Frente Nacional de Liberação do Vietnã do Norte (NLF) ou Movimento Vietcong e o Exército do Povo do Vietnã (PAVN) durante a Guerra do Vietnã (1964-1975). O propósito destas operações, por sua magnitude e ferocidade, era atingir os centros de controle tanto militares como civis por toda a República do Vietnã (Vietnã do Sul) e, principalmente, deflagrar um levante geral entre a população, que conduziria, de acordo com seus planejadores, ao colapso o governo de Saigon, encerrando assim a guerra com um único golpe devastador.” (FERNANDO DINIZ; 1968 – A Ofensiva do TET – 1ª Parte – A Preparação, disponível em: https://www.defesanet.com.br/armas/noticia/28178/1968-a-ofensiva-do-tet-1a-parte-a-preparacao/, acesso em: 17 mai. 2021)
A empreitada (apesar de sua persistência temporal por quase oito meses) se revelou, contudo, como um dos maiores desastres militares da história, praticamente desintegrando o movimento Vietcong como força combativa, não obstante tal situação ter sido prevista (como uma possibilidade) por Hanói, sem muitas ressalvas.
“Para a liderança norte-vietnamita, a perda de cerca de 79.000 baixas, dentre mortos (aproximadamente 35.000), feridos (aproximadamente 38.000) e aprisionados (aproximadamente 6.000), não era dramática, pois em sua maioria pertenciam ao Movimento Vietcong, o que os enfraquecia diante de Hanói.” (MARCO SMEDBERG; Vietnamkrigen: 1880–1980, Historiska Media, 2008)
Como resultado, os EUA e o Vietnã do Sul colheram uma extraordinária vitória no campo de batalha (cf. MARCO SMEDBERG; Vietnamkrigen: 1880–1980, Historiska Media, 2008), ainda que, paradoxalmente, tenha sido uma derrota propagandística com graves consequências para a política de guerra estadunidense(cf. Tet Offensive; disponível em: https://www.history.com/topics/vietnam-war/tet-offensive, acesso em: 17 mai. 2021).
“Por razões ainda desconhecidas, as principais ondas de ataque se abateram sobre as unidades dos I e II Corpos na manhã do dia precedente ao feriado. Apesar de pesados, estes ataques não despertaram nos comandos sul-vietnamitas nenhum alarme sobre o que estava por vir. Quando na manhã seguinte as maciças operações do NLF-PAVN se iniciaram, tornou-se logo claro que era algo a nível nacional, com cerca de 80 mil homens atacando mais de 100 cidades e vilas, incluindo 36 capitais provinciais, cinco cidades autônomas, 72 cidades provinciais e a própria capital Saigon. Foi a maior operação militar conduzida por qualquer dos dois lados até então na guerra.
Os ataques iniciais apanharam as unidades aliadas de surpresa, porém muitos foram rapidamente rechaçados, causando enormes perdas às tropas Vietcong. As exceções foram os intensos combates que se travaram em torno da antiga capital imperial de Hue que duraram um mês, e o cerco da base norte-americana de Khe Sahn, que durou dois meses, tendo sido chamada por alguns de ‘Diem Bien Phu’ norte-americana.
Embora a ofensiva acabasse num enorme desastre militar para os atacantes, chocou tanto os militares como o publico norte-americano, que havia sido levado a crer que, em razão das vitórias anunciadas pelos aliados, o inimigo não poderia ter esta força e determinação para lançar uma operação de tal magnitude.” (FERNANDO DINIZ; 1968 – A Ofensiva do TET – 1ª Parte – A Preparação, disponível em: https://www.defesanet.com.br/armas/noticia/28178/1968-a-ofensiva-do-tet-1a-parte-a-preparacao/, acesso em: 17 mai. 2021)
A operação recebeu o nome de Ofensiva do Tet porque foram planejadas (e executadas) nas primeiras horas da manhã do primeiro dia do ano relativo ao calendário lunar usado no Vietnã (constituindo-se no feriado mais importante do país) e significou uma das maiores “traições” em tempos de guerra, uma vez que tanto o Vietnã do Sul como o Vietnã do Norte haviam acordado (e anunciaram, cada qual, em suas respectivas emissoras) um cessar-fogo de dois dias para comemorar a ocasião.
“As operações tornaram-se conhecidas como Ofensiva do Tet por coincidirem com o feriado anual vietnamita de 31 de janeiro.” (FERNANDO DINIZ; 1968 – A Ofensiva do TET – 1ª Parte – A Preparação, disponível em: https://www.defesanet.com.br/armas/noticia/28178/1968-a-ofensiva-do-tet-1a-parte-a-preparacao/, acesso em: 17 mai. 2021)
O argumento (moral) de Hanói para realizar a operação, – mesmo após ter se comprometido publicamente com uma trégua de ano novo –, foi no sentido de que se tratava de uma “insurreição geral” do povo sul-vietnamita com apoio da guerrilha Vietcong, e não propriamente uma ofensiva de forças regulares do EVN. Porém, a narrativa foi logo desmoralizada na medida em que não ocorreu a adesão popular prevista e efetivos do EVN ingressaram em território sul-vietnamita.
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Em verdade, interessava a Hanói que os vietcongs se lançassem (diretamente e em grande escala) contra as forças norte-americanas, objetivando retirar a iniciativa dos EUA no confronto (que perdurou até 1967, com relativo sucesso, impondo pesadas baixas nos adversários), ao mesmo tempo em que tal ação também removia do cenário conflitivo o relativo impasse que se estabeleceu (com a contenção das forças insurgentes), rompendo, ademais, o (até então) inconclusivo embate entre as duas facções antagônicas existentes no seio do Partido Comunista Norte-Vietnamita (PCNV), com a vitória (final) da “linha dura”, liderada por LE DUAN (Primeiro Secretário do PCNV) e seu irmão LE DUC THO, que preconizava, em última análise, a anexação imediata e pela força (ao estilo chinês) sobre a corrente que defendia, em contraposição, a anexação do Vietnã do Sul por meios políticos e diplomáticos (tese encabeçada pelo teórico do PCNV, TRUONG CHINH, e pelo líder militar VO NGUYEN GIAP).
“A base do plano de ataque criado pelo general NGUYEN CHI THANH partia da falsa premissa de que o povo sul-vietnamita já não aguentava mais nem a corrupção e nem a incompetência militar de seus líderes civis e militares, bem como a presença cada vez maior de tropas norte-americanas em seu território, e que estaria pronto para um levante geral. Bastava apenas uma fagulha para iniciar o incêndio que iria derrubar os odiados líderes sulistas e permitir que o sofrido povo sul-vietnamitas recebesse de braços abertos seus ‘irmãos do norte’. (…)
Após seu plano apresentar ao Politburo e vê-lo aprovado, THANH compareceu a uma recepção, onde embebedou-se e sofreu um ataque cardíaco, vindo a falecer. O comando passou então, paradoxalmente, para o general GIAP, o homem que já havia derrotado os franceses em Diem Bien Phu (mas que não se alinhava a estratégia do confronto direto). Entrava em cena, ainda assim, o maior estrategista da Guerra do Vietnã.” (FERNANDO DINIZ; 1968 – A Ofensiva do TET – 1ª Parte – A Preparação, disponível em: https://www.defesanet.com.br/armas/noticia/28178/1968-a-ofensiva-do-tet-1a-parte-a-preparacao/, acesso em: 17 mai. 2021)
Por outro lado, LE DUAN (e as demais lideranças que comungavam de seu ponto de vista) apostava que o ponto fraco dos EUA era sua frente interna, ou seja, a opinião pública (em uma concepção de Guerra Informacional, combinada com ações militares regulares e irregulares, caracterizando um Conflito Híbrido). Para romper o impasse, foi convocada em Hanói, em julho de 1967, uma reunião cujo objetivo era traçar uma estratégia que retomasse a iniciativa do conflito em favor do Vietnã do Norte. O resultado desta reunião ficou claro no ano seguinte, quando, surpreendentemente, as forças americanas foram confrontadas pela ação dos guerrilheiros vietcongs, apoiados pelo Exército do Vietnã do Norte (EVN).
A ofensiva deveria ser a mais ampla possível. Sob a ótica militar, esperava-se que Exército do Vietnã do Sul (EVS) entrasse em colapso quando os norte-americanos vissem subir, de forma acentuada, suas baixas em combate, aumentando simultaneamente a oposição antiguerra nos EUA.
Deslocando forças do EVN para o Sul, com amplo apoio dos vietcongs, todas as províncias seriam envolvidas nos combates, incluindo as principais cidades do Vietnã do Sul, começando pela capital Saigon. O golpe final seria um levante geral que demoliria, de uma vez por todas, o EVS e seus aliados norte-americanos, a exemplo do que havia sucedido anteriormente (ainda que em condições distintas) com os franceses.
A Ofensiva, conforme assinalado alhures, foi dividida em três fases.
A primeira, transcorrida entre 30 de janeiro até 28 de março de 1968, tinha como objetivo realizar ataques diversionários próximos da fronteira com o propósito de retirar as forças sul-vietnamitas dos principais centros urbanos (incluindo vilas estratégicas), permitindo que o verdadeiro ataque fosse empreendido contra estes alvos, desprovidos de seus efetivos completos. Ademais, as unidades militares, – particularmente as bases aéreas (principalmente Da Nang) e a fortaleza de Khe Sanh (que dificultara o abastecimento logístico do EVN e dos vietcongs), – eram alvos prioritários, buscando reduzir, em linhas gerais, a capacidade de reação da artilharia e do apoio aéreo, permitindo, por fim, o sucesso das simultâneas ações de insurreição praticadas pelos vietcongs.
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“A primeira fase da Ofensiva do Tet foi precedida por ataques diversionários em várias áreas fronteiriças, o que, nos planos de Hanói, atrairia a tenção das forças do sul e os afastaria dos alvos principais que eram as cidades e vilas escolhidas. O ataque principal seria então lançado contra estes alvos e contra bases militares aliadas, especialmente as de operações aéreas, como Da Nang, que eram o flagelo dos norte-vietnamitas. Acreditavam que sem apoio aéreo, as tropas aliadas se tornariam presa fácil para os fanáticos vietcong e os bem treinados soldados do EVN. (…)
Especial atenção seria dada à base norte-americana de Khe Sahn, cuja segurança imobilizava consideráveis forças norte-vietnamitas em suas funções de ataque. (…)
GIAP considerava essencial neutralizar Khe Sahn para garantir suas linhas de suprimento. (…)
O esforço do Vietnã do Norte em preparar suas tropas foi enorme. Envolveu, por exemplo, rearmar todo o movimento vietcong com os novos fuzis de assalto AK-47 recém-chegados da URSS e da China, bem como a farta distribuição de lança-mísseis portáteis B-40, conhecidos como RPG.
Os serviços de Inteligência do Vietnã do Sul e dos EUA estimavam a força inimiga em cerca de 323.000 homens, sendo 130.000 do EVN (forças regulares), 160.000 vietcongs e outros 33.000 como tropas de suporte e serviços.
Sinais de que alguma coisa sem precedentes estava sendo preparada não passaram desapercebidos entre os comandos aliados. Documentos e prisioneiros capturados por unidades aliadas, e observações de forças SOF davam conta de um grande aumento na atividade inimiga no Laos, conhecido santuário vietcong, e também do próprio EVN.
Ainda assim, os aliados foram surpreendidos pela magnitude e ferocidade dos ataques iniciais, pois como sempre, os comandos superiores tendiam a negligenciar as informações dos serviços de inteligência, por julgá-las ‘exageradas e alarmistas’.
Durante o verão de 1967, uma patrulha dos Marines defrontou-se com um ataque pesado de tropas do EVN que seria deflagrado contra Khe Sahn. Quando a luta terminou, 940 soldados do EVN e 155 Marines haviam morrido.
Em outubro de 1967, um batalhão do ARVN alojado na capital provincial de Song Bhe achou-se sob súbito ataque de todo um regimento EVN.
Dias depois, outro batalhão do EVN atacou uma base de Forças Especiais americanas em Loc Ninh, iniciando uma batalha que durou dez dias, deixando no final 800 soldados do EVN mortos. (…)
Em 28 de janeiro de 1968 onze vietcongs foram capturados na cidade de Qui Nhon. Com eles foram encontradas duas fitas com discursos que incitavam o povo sul-vietnamita a ‘ocuparem Saigon, Hue e Da Nang’. Imediatamente os exércitos aliados foram colocados em alerta total. Porém o general WESTMORELAND, comandante das tropas americanas no Vietnã, não demonstrava a mesma preocupação, e suas unidades não foram alertadas.” (FERNANDO DINIZ; 1968 – A Ofensiva do TET – 1ª Parte – A Preparação, disponível em: https://www.defesanet.com.br/armas/noticia/28178/1968-a-ofensiva-do-tet-1a-parte-a-preparacao/, acesso em: 17 mai. 2021)
Duas semanas antes do ataque propriamente dito, o EVN lançou duas divisões contra a base de Khe Sahn, que ficou sob cerco por cerca de 11 semanas.
A Ofensiva, em sua primeira fase, foi desfechada em 30 de janeiro e, só em Saigon, havia mais de quatro mil vietcongs, misturados à população urbana. Um dos principais alvos foi a embaixada dos EUA e o campo de pouso de Tan Son Nhut. Na embaixada, um grupo de 15 guerrilheiros infiltrou-se após explodir uma parede e levaram seis horas para ser neutralizados.
Excetuando os combates em Huế (antiga cidade imperial) e em Khe Sahn, os combates terminaram em cerca de uma semana, iniciando-se então um balanço da ofensiva. Para os governos do Vietnã do Sul e dos EUA, havia sido uma vitória política a não adesão da população aos atacantes, demonstrando o isolamento dos vietcongs. No campo militar, também foi uma vitória a resistência do EVS, abrindo a perspectiva de uma “vietnamização” do conflito, com a retirada dos EUA da linha de frente da guerra, o que viria a ter início em janeiro de 1973.
Ainda assim, mesmo com a reconhecida derrota militar, o impacto provocado na opinião pública norte-americana, – inclusive no governo JOHNSON –, foi surpreendentemente catastrófica, minando a determinação de ambos em permanecer no conflito. O “colapso político” do governo norte-americano foi tão violento que levou o general GIAP, que já reconsiderava o retraimento de suas forças, a um novo e mais agressivo planejamento de suas operações de guerra.
Somando-se às baixas norte-vietnamitas, deveremos acrescentar, ainda, as perdas fatais dos perto de 7.721 civis, 1.100 norte-americanos e aproximadamente 2.900 soldados sul-vietnamitas. Neste ponto do conflito, contava-se o expressivo número de 1.500.000 refugiados internos, sob a coordenação do governo do Vietnã do Sul.